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- Zé Cachadinha - Um cantador do Povo
Zé Cachadinha - Um cantador do Povo
CANÁRIO, Augusto – “Zé Cachadinha - Um cantador do Povo”. Ponte de Lima: Município de Ponte de Lima, 2020. 70 p. ISBN 978-972-8846-81-7.
- Preço: €2,00 (inclui o valor da taxa de IVA legal em vigor)
- Como encomendar: contacte-nos através do e-mail: arquivo@cm-pontedelima.pt
Apresentação
O Augusto Canário quis celebrar nestas estrofes, em sétima de redondilha maior, a paixão pela poesia popular, a que chamou de literatura de cordel. E fê-lo em louvor ao 'cantador do povo', Zé Cachadinha. A voz cantada, em tantas variantes tímbricas, o oral traiçoeiro, o povo imaginado e sofrido, mas alegre e sabichão, a negociação entre a realidade do efémero e o desejo do eterno. Entre a obra e o homenageado, quantas surpreendentes coincidências e uma mão cheia de provocações, inconformes. O Canário quer contar uma história que passa por muitas estórias, e constrói um romance em verso, com um herói protagonista. O que sabe a tradição popular deste herói? Sabe muita coisa e, ao mesmo tempo, não sabe tantas outras, imaginando umas quantas, tal a riqueza daqueles olhos marotos, os variados mundos por onde andaram em prospeção mineira, tal a capacidade em quebrar a frieza da rocha de muitos corações.
Tem a literatura de cordel, ao ser publicada em folhetos e exposta publicamente, a tendência para o autor ignoto, o artesão da tinta vertida em folhas, onde fixa a tradição oral, as estórias ouvidas e sempre partilhadas, as reclamações e os anseios do povo. E aqui as façanhas do herói já não são apenas dele, mas de todos, da comunidade que o criou e o viveu! Não é desapropriado afirmar isto: viver o herói é partilhar uma cumplicidade que ultrapassa a admiração; é invocar o seu nome, o lugar que ocupou num momento da história, para fazer desse nome um ícone, para o retirar da fugacidade do evento histórico e o transformar num herói lendário. Um herói entre a realidade e a invenção, entre o que realmente foi e o que realmente queremos que tenha sido!
Era tradição serem os versos e romances da literatura de cordel cantados nas encruzilhadas dos caminhos, nas praças, por cantadores acompanhados de viola, na sua
maioria cegos. Se procuravam ajuda da comunidade nas esmolas ou venda dos folhetos, também eram vistos como uns iluminados, meio poetas, meio loucos ou profetas! Parece ouvirmos, aqui, mais a concertina do que a viola. Mas o nosso herói, se alguns o entendiam entre uma vida boémia e de alguma loucura sadia, outros reconheciam nele o poeta e o profeta. Isto porque incomodava, levantava a palavra, deixando-a no ar, provocando o ouvinte ou desafiador. Ao desafiador cabia o papel de apanhar essa palavra, lançada ao ar, e, a partir dela, alimentar-se da provocação. O desafio podia ser mordaz, insolente ao ouvido não experimentado, jocoso ou escandaloso ao mais recatado, mas era sempre amigo, conciliador e, até, de uma hospitalidade e ternura incomuns.
Um dos problemas do cantar ao desafio ou desgarrada como o do lugar em que se apresentam estes versos do Augusto Canário - é que nunca gostou das formalidades, da limpeza e ordem do palco, da organização pontual e da previsão dos efeitos, da clareza da mente intocada do sóbrio. A sua força, efeito e ato revolucionário, está no momento em que todos somos personagens e não meros ouvintes, cómodos em nossos confortos particulares.
A nobreza desta arte, porque não dizê-lo, está no terreiro, na tasca, fermentos de uma alegria incontida, desconforme, não programada, onde os corpos vivem
uma irmandade incomum. Corpo e a mente fundem-se, transvazam as emoções, num êxtase tântrico que só os privilegiados entendem!
Verseja-se aqui a história e estórias de um herói. Mas o que os nossos sentidos captam são vozes inconfundíveis e amizades de uma vida!
Álvaro Campelo