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Minhotos, diplomatas e amigos a correspondência (1886-1916) entre o 2.º Visconde de Pindela e António Feijó

12 Janeiro 2007

ESGOTADO

MACHADO, João Afonso - Minhotos, diplomatas e amigos a correspondência (1886-1916) entre o 2.º Visconde de Pindela e António Feijó. Linda-A-Velha: DG Edições, 2007. 303 p. ISBN 978-989-8135-03-2.

  • Preço: €12,50 (inclui o valor da taxa de IVA legal em vigor)
  • Como encomendar: contacte-nos através do e-mail: arquivo@cm-pontedelima.pt 

Prefácio

Novo contributo para o epistolário de António Feijó

1. Atualmente, a chamada literatura Intime ou literatura autobiográfica está na moda. Integrando múltiplos géneros e registos (carta, diário, autobiografia, memórias, etc.), este tipo de literatura parece seduzir leitores e estudiosos, sobretudo pela componente de historicidade que comporta; mas também pelo carácter híbrido da sua funcionalidade comunicacional ­ informativa, reflexiva, estética, confessional, amorosa, analítica, polémica, etc.

Com antiquíssimos modelos teóricos e práticos na antiguidade grecolatina, a codificada arte da epistolografia (ars dictaminis) sempre foi cultivada ao longo dos vários séculos da Cultura e Literatura portuguesas. Sobretudo a partir dos sécs. XVI e XVII, o discurso epistolar conheceu uma nova dinâmica com as modernas realidades políticas e sociais, acompanhadas da influência decisiva dos modelos da literatura de comportamento social e de civilidade. Relembremos Il Galateo, Il Cortegiano, El Discreto, Arte de Galantería e subsequentes Secretários e manuais de cortesania e boas maneiras, com capítulos específicos sobre a arte epistolar e sobre a carta como expressão ímpar de sociabilidade. A partir da Europa de Quinhentos, tivemos excelentes e prolíficos epistológrafos, cuja escrita constitui um enorme manancial de informação histórico-cultural, de interesse sociológico e ainda, em muitos casos, um monumento de beleza literária - lugar insubstituível de memória, testemunho vivo e indispensável.

A importância histórico-cultural, mas também antropológico-social e, em muitos casos, a relevância estético-literária dos textos epistolográficos, faz deste género peculiar fonte insubstituível de informação e de beleza.

Estas virtudes variam significativamente consoante os autores. Neste género ambíguo e intermédio, frágil e complexo, "menor"e rico, dotado de uma retórica específica, de relações próximas com outros géneros e formas de escrita, discutível é também o grau de espontaneidade e de sinceridade da escrita epistolográfica. O estudo e antologia de A. Crabbé Rocha, A Epistolografia em Portugal (2ª ed., IN-CM, 1985) - onde não falta António Feijó -, apresenta-nos uma elucidativa panorâmica sobre o género.

O séc. XIX mostrou-se particularmente rico no capítulo da epistolografia. Dos românticos liberais, passando pela segunda geração romântica, até aos espíritos que pululavam em tomo da influente Geração de 70 e do Portugal finissecular, muitos foram os escritores e intelectuais que se distinguiram neste campo, com destaque para Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Fialho de Almeida, Trindade Coelho, entre tantos outros.

Neste contexto, convém recordar que o epistolário de António Feijó é muito rico e apenas parcialmente editado. As razões para uma e outra constatações são conhecidas: os homens cultos de Oitocentos, como de épocas anteriores, correspondiam-se imenso por escrito, sendo a arte epistolar um atributo indispensável da vida social e da civilidade.

Por isso, não admira que uma figura como António Feijó se tenha correspondido com imensos contemporâneos, do mundo da literatura, da cultura e da política. Além do mais, a circunstância de ser diplomata fora de Portugal- primeiro no Brasil, e depois na Suécia - contribuiu decisivamente para a necessidade de uma relação epistolográfica assídua ao longo de toda a vida. Para termos uma pequena ideia do peso da correspondência, basta lembrar que intelectuais e escritores desta época escreviam e recebiam várias cartas por dia.

2. O presente livro, Minhotos, Diplomatas e Amigos - A correspondência (1886-1916) entre o 2° Visconde de Pindela e António Feijó, da autoria de João Afonso Machado, dá a conhecer cartas trocadas entre estas duas ilustres figuras, existentes no arquivo da Casa de Pindela. Ao contrário de outras publicações anteriores da correspondência de Feijó, em que apenas conhecemos as cartas do poeta limiano, aqui publicam-se as cartas de ambos os interlocutores, o que toma mais vivo o diálogo epistolar.

Esta publicação singulariza-se por uma particularidade, de natureza metodológica. O organizador desta correspondência tinha fundamentalmente duas opções bem distintas para dar a conhecer a correspondência em questão:
I.") a edição escrupulosa do texto integral das cartas, numeradas e em estrita ordenação cronológica, precedidas de breve texto introdutório e um número variado de notas informativas; ou 2.a) a elaboração de um estudo crítico­ ensaístico sobre a correspondência, mas sem a publicação integral das cartas estudadas. Ambas têm as suas vantagens, sendo a primeira opção uma forma mais recomendável e habitual, pois além de proporcionar a leitura integral de determinada correspondência, incentiva ao mesmo tempo à realização de estudos críticos.

Porém, o organizador desta obra optou por uma solução intermédia e híbrida: apresentar a correspondência trocada entre António Feijó e Vicente Pindela num registo narrativo, de preocupações histórico-biográficas, onde o leitor dispõe da reprodução integral das cartas, acompanhadas da desejável indicação de data ou local de emissão (nem sempre existentes, reconheça­ se); noutros casos, de modo mais seletivo, são citados e comentados excertos abundantes de outras cartas, identificadas em nota. Para as complementares funções informativa e comentadora que iluminam a referida transcrição; e para a natureza crítico-interpretativa do seu texto, por vezes de índole parafrástica, o autor serve-se de outra correspondência já conhecida de António Feijó, nomeadamente a dirigida a Luís de Magalhães, determinante para o preenchimento de naturais lacunas biográficas.

Assim, ao longo de quinze capítulos, de amplitude cronológica e dimensão desigual, o autor e organizador desta correspondência apresenta, contextualiza e interpreta a prolongada troca epistolar (de 1886 até 1916) entre as duas interessantes figuras do meio cultural português, unidos pela origem minhota, pelas relações de amizade, pelo curso de Direito da Universidade de Coimbra e pela carreira diplomática.

Ao longo de três décadas, Vicente Pinheiro Lobo Machado de MeIo e Almada, 20 Visconde de Pindela (1853-1922), e António Joaquim de Castro Feijó (1859-1917), poeta e diplomata natural de Ponte de Lima, corresponderam-se com relativa assiduidade. Ao círculo de estreita amizade do poeta limiano pertenciam também, entre outros, Bernardo Pinheiro Correia de Melo, 10 Conde de Arnoso, irmão mais novo do Visconde de Pindela; e sobretudo o Conselheiro Luís Cipriano Coelho de Magalhães, amigo íntimo de Feijó, filho do famoso tribuno liberal José Estêvão. Aliás, nas suas frequentes viagens a Portugal, Feijó era visita de Pindela (Y. N. de Famalicão) e da Quinta do Mosteiro (Moreira da Maia), de Luís de Magalhães, além de Ponte de Lima e da Casa de Vilar (Lousada), do irmão Júlio Feijó.

Este interessante diálogo epistolar desenrola-se a par das sucessivas colocações diplomáticas dos intervenientes: Feijó inicia a sua carreira em legações do Brasil, estabilizando logo depois na Suécia (Estocolmo); Pindela começa na legação de Haia (Holanda) e também permanece demoradamente na Alemanha (Berlim). Ao longo desse tempo, a partir das respetivas legações ou em viagens diversas, às vezes com consideráveis intervalos temporais, ambos vão falando da sua vida familiar e profissional, analisando à distância a vida político-cultural do nosso país, sem esquecer uma visão crítica da política internacional do tempo.

3. Com efeito, a par das considerações de índole mais pessoal, a dominante temática desta correspondência é sobretudo a política nacional, com os seus sucessivos governos e concomitantes lutas partidárias e jogos de bastidores. Contudo, não faltam outros motivos de interesse, como assuntos de natureza familiar e problemas atinentes à carreira diplomática.

As cartas agora publicadas surgem balizadas por dois marcos cronológicos fundamentais na vida de ambos os interlocutores epistolares ­ como termo ad quem, o início do trabalho diplomático; como limite a quo, a morte de António Feijó, o primeiro a falecer. No cômputo geral, são em maior número e mais alongadas as cartas de Vicente Pindela, que os descendentes de Feijó terão gentilmente oferecido à Casa de Pindela. Acrescente-se ainda que no arquivo da Casa de Pindela não terão sido conservadas todas as cartas de Feijó, o que também se compreende, por vicissitudes várias.

Em todo o caso, o epistolário de Feijó continua longe da edição integral, se é que algum dia ela se concretizará. Convém assinalar ainda que este conjunto de cartas do poeta e diplomata limiano vem na sequência de um apreciável conjunto epistolar já antes publicado. Com efeito, antes da presente publicação, já conhecíamos um conjunto apreciável de cartas de António Feijó - primeiro, pela mão dedicada de Francisco Teixeira de Queirós (1961), em Cartas Íntimas de António Feijó e em Cartas do Poeta António Feijó a João Gomes de Abreu e Lima; depois, com edição mais recente das Cartas a Luís de Magalhães, em oportuníssima edição organizada pelo devotado Rui Feijó, em 2 vols. (IN-CM, 2004); para além de outros conjuntos menores, dados a conhecer em publicações periódicas, por vários estudiosos.

Consabidamente, há muitas outras cartas de Feijó ainda por publicar, nomeadamente as dirigi das a Bernardo Pindela, para só dar apenas um exemplo. Em todo o caso, a correspondência agora publicada tem a virtude de iluminar ainda mais o perfil dos seus autores, bem como os contornos político-culturais do tempo em que viveram, uma das épocas mais ricas e conturbadas da história do Portugal moderno.

Mais espectadores do que atores de primeiro plano da cena política, estes atentos analistas têm, no entanto, plena consciência das suas limitações, como confessado pela voz de Pindela: "Da situação do País... esperemos os acontecimentos. Nós, de cá de fora, não lhe damos remédio". E, no entanto, os destinos da amada pátria portuguesa constituem para os dois interlocutores o tema verdadeiramente obsidiante.

Confirma-se uma vez mais o amor de Feijó à terra limiana, confessando ao amigo Pindela o desejo de trocar a vida política pelo "refocilar nas veigas... do meu Minho, a ler poetas e a sonhar filosofias". A sensibilidade do poeta e a atração pelas raízes minhotas suplantavam a capacidade e os projetos do homem político. Aliás, ambos reiteram a sua atracção pelo "nosso doce e quente Minho".

Em suma, a obra de João Afonso Machado apresenta, pois, o duplo mérito de di vulgar uma interessante correspondência inédita, fazendo-a acompanhar de elucidativas informações e comentários, indispensáveis ao leitor contemporâneo menos familiarizado com o contexto histórico-político das últimas décadas do séc. XIX e primórdios de Novecentos. Oxalá outros contributos similares possam surgir proximamente, de modo a conhecermos melhor esta época tão rica e estas figuras relevantes da História e da Cultura portuguesas.

Braga, 30 de julho de 2007.

J. Cândido Martins
(Universidade Católica Portuguesa)

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